quinta-feira, 5 de junho de 2008

Renda Básica de Cidadania: Um Direito Universal

Ao entrevistar pelo TVONG o Senador Eduardo M. Suplicy em 2 de Fevereiro de 2007 recebi de suas mãos o livro Renda Básica de Cidadania: A Resposta dada pelo Vento e com este a oportunidade de entender e me aprofundar na proposta do Senador aprovada na lei 10.835/2004 que torna “direito de todo cidadão brasileiro (...), não importando sua condição socioeconômica, receber um beneficio monetário.”
Confesso que preconcebidamente antes da leitura do livro considerava, como muitos, a idéia impraticável e até mesmo ingênua por conta de sua simplicidade. Porém, na leitura do livro pude compreender toda a força desta simplicidade.

É curioso como ao longo da historia muitos indivíduos resolveram questões aparentemente insolúveis com idéias incrivelmente simples: Alexandre ao cortar o nó górdio, Colombo e o ovo em pé, e mesmo De Broglie ao propor a dualidade partícula-onda. Reais e mitos tais histórias tentam nos mostrar que a solução de problemas aparentemente insolúveis reside em ações também aparentemente simples, mas que no fundo requerem um enorme esforço de consciência: a quebra de paradigmas.

De fato não é possível entender a proposta do Senador sem se desfazer de dois paradigmas que norteiam a aplicação de políticas publicas: o primeiro se baseia na pressuposição de que onde não há vigilância não a ordem ou respeito às leis, exigindo controles rígidos para evitar fraudes, ou vantagens indevidas; o segundo que os indivíduos não trabalhariam senão para suprir a sua necessidade, sendo, portanto necessário exigir contrapartidas e medidas que evitem a acomodação dos beneficiários.

Bem, se tomarmos tais suposições como verdades não podemos sequer iniciar a compreensão da Renda Básica de Cidadania. Desfazer-se destes preceitos é preciso, contudo não é possível fazê-lo negando os fatos que os sustentam. È um engano negar a relação da pobreza com a criminalidade e a desocupação, porém é um engano ainda maior aceitar a falácia que faz desta relação de fato, uma relação necessária.

A própria História recente se encarrega de negar a falácia da acomodação: a queda do comunismo e a hegemonia do capitalismo provam que o que movimenta o homem mais do que o medo é o desejo infinito de possuir mais. Logo o mesmo principio que invalida qualquer sistema econômico que se proponha tão somente a satisfazer as necessidades, também invalida qualquer argumento que o ser humano irá se acomodar quando tem suas necessidades remediadas.

Já a desconstrução da primeira pressuposição, a falácia da desonestidade, não é tão fácil de ser efetuada, dada a ausência de modelos baseados na confiança de que o cidadão mesmo podendo não irá procurar obter vantagens indevidas, afinal observamos cotidianamente o contrário. Contudo a pergunta que me fiz, e convido o leitor deste breve escrito a fazer, é qual seria o comportamento do cidadão ao se defrontar com um sistema despido de controles burocráticos para impedir possíveis fraudes? Ou como as pessoas reagem diante de serviços que não suponham que os beneficiários tentarão burlá-los?

Se sua resposta é que estes serviços não funcionam, gostaria de citar a experiência da Biblioteca Livre de Paranapiacaba. Inspirado no Renda Básica de Cidadania, o ReCivitas - Instituto pela de Revitalização da Cidadania, não sem acalorados debates, resolveu criar uma Biblioteca e Brinquedoteca onde toda pessoa sem necessidade de apresentar nenhum comprovante ou documento poderia retirar o livro ou brinquedo e devolvê-lo quando e se lhe aprouver. Os resultados tem se mostrado surpreendentes, e sem delongas basta dizer que esperávamos apenas perdas de acervo progressivamente menores, e o quê aferimos foi não só uma perda ínfima, mas a participação dos beneficiários por sua própria iniciativa como doadores! Sim, a partir do momento que “ingenuamente” confiamos, ou melhor, não pressupomos que alguém buscaria levar uma vantagem indevida surgiu imediatamente um novo tipo de relação baseado no respeito e confiança.

Experiências como a da Biblioteca Livre de Paranapiacaba devem no mínimo nos levar a pensar duas vezes antes de classificar como mero assistencialismo iniciativas de inclusão social como programas de complementação de renda, ou condenar de antemão iniciativas que não exijam contrapartidas dos beneficiários.

Assim se para compreendermos a Renda Básica de Cidadania por um lado precisamos nos desfazer dos nossos preconceitos que relacionam desonestidade e acomodação à pobreza, de outro devemos evitar as armadilhas ideológicas, que tentam fazer desta questão uma luta de classes.

A raiz da resistência aos programas de complementação de renda, não é um preconceito de classes sociais mais abastadas contra mais pobres, é um preconceito do brasileiro em relação ao brasileiro, logo, um complexo, um complexo de desonestidade. Está mais do que na hora de expurgarmos o mito do malandro, do esperto, do vagabundo, e desinstitucionalizar as pressuposições de comportamentos desonestos a priori sob pena de assim continuarmos a estimulá-los. É mais do que chegada a hora de nos despirmos dos nossos preconceitos, tempo do Brasileiro aprender a confiar e valorizar o Brasileiro, e apoiarmos a adoção de políticas maduras como a Renda Básica de Cidadania.

Para quem faz uma leitura político-partidária deste escrito, as linhas que se seguem darão luz a única e verdadeira razão desta manifestação de apoio: nosso entendimento da Renda Básica de Cidadania, e de sua amplitude filosófica.

Eduardo M. Suplicy define a renda básica como um direito de todo cidadão de participar da riqueza de sua Nação com o básico para a sua sobrevivência. Entendemos que além de um direito do cidadão, a renda básica embora não seja como o direito a propriedade um direito natural, é ainda sim direito fundamental do ser humano e que portanto deveria ser incluída na declaração universal dos direitos humanos não como um direito, mas dois direitos distintos:
O primeiro: como o direito de todo homem de receber incondicionalmente o capital básico para sua sobrevivência.

O segundo: como o direito de todo homem de participar da riqueza Mundial.
Quanto ao primeiro embora não pareça ser justo um homem ter sua existência garantida sem o esforço do seu trabalho, devemos lembrar que um homem sempre lutará pela sua sobrevivência e a sobrevivência dos seus de acordo com suas condições e dos meios que tiver a sua disposição. Isto implica que se um homem dispõe de condições e não dispõe dos meios cívicos, fará uso dos naturais os quais não podemos prover só alienar. E se um homem dispõe dos meios cívicos, mas não faz uso é porque não possui as condições. Ora se garantimos a sobrevivência daqueles que não tem condições de se sustentar, não o fazemos por que isso é justo, fazemos por que isso é humano. E se garantimos a sobrevivência daqueles que tem condições de se sustentar, mas não possuem os meios cívicos não o fazemos por que isso é humano, mas porque é justo garantir meios que não o obriguem a recorrer à violência.

Logo a única forma inequívoca de garantirmos os meios cívicos necessários a sobrevivência e a dignidade de um homem é dispô-los incondicionalmente. Deste modo nenhum homem fará uso da violência premido pela necessidade - principio de justiça; nem nenhum homem morrerá porque não tem forças para se sustentar - principio de dignidade.


Quanto ao segundo direito: partilhar da riqueza mundial é um direito fundamental que também independe do trabalho, à medida que este é o direito a herança que a espécie humana lega aos seus descendentes. Inalienável tanto quanto o é a herança de família que permite a alguém abastado viver tão somente dos frutos do trabalho de seus antepassados.
A parte dos princípios que embasam esses dois Direitos Universais devemos também considerar seus benefícios a coletividade, como redução da marginalidade, dinamização da economia, e aumento da auto-estima.

Assim sendo, entendemos a Renda Básica de Cidadania não apenas como a garantia de um direito de cidadania, mas a garantia de direitos universais do ser humano no plano nacional através de um modelo de política pública ideal e exeqüível por ser sua implementação gradual.
Entendemos também que a Renda Básica de Cidadania proposta pelo Senador Suplicy é um projeto de amplitude internacional justamente pela universalidade dos direitos que garante. E aqui não nos limitaremos a demonstrar e razoar nosso apoio tomaremos a liberdade de apresentar um modelo para sua implementação:

Dada a natureza universal dos direitos que promoveria o Renda Básica poderia ser financiado através do Terceiro Setor, mais especificamente através do modelo de Fundação Comunitária com a criação de Fundos Internacionais destinados especificamente a cada área carente em que seria implantado o programa.

Assim junto com esta sugestão disponibilizamos ainda ao Senador o Projeto desta Fundação sugerindo como área piloto a Vila de Paranapiacaba.


Paranapiacaba, 22 de Fevereiro de 2008

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